Fernando Pessoa é um poeta singular. E isso é inconteste. Porém, a obra poética que mais me toca é a do heterônimo Álvaro de Campos. Sua escrita é a mais visceral, a mais angustiada, a mais humana possível. A genialidade dos versos encontra-se nos elementos mais simples, como ilustra o poema a seguir. Talvez por isso Dobrada à moda do Porto seja o meu poema favorito entre todos de Pessoa e seus heterônimos.
Dobrada à moda do Porto
Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo ...
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.
Álvaro de Campos
Fernando Pessoa, através de seus heterônimos, produzem sensações que nos dizem por muito tempo na digestão do cérebro, pois, por muito tempo se digere mentalmente seus mais profundos efeitos literários como por exemplo: Navegar é preciso(exige precisão navegar, viver não é preciso(a vida é ocasional não tem como precisar)
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